quinta-feira, 10 de novembro de 2011

As contas da GEOTA e do PNBEPH

Várias organizações ambientalistas (GEOTA, FAPAS, LPN, Quercus, CEAI, Aldeia, COAGRET, Flamingo, SPEA, MCLT) têm vindo a lutar contra o PNBEPH (Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroeléctrico). Segundo a sua argumentação, as novas barragens vão custar 16 mil milhões nos próximos 75 anos. Uma das parcelas desse custo será a garantia de potência, sendo que uma das versões mais recentes do documento explica parte das contas:

The incentive for electric power availability alone will cost the State 3 400 M€ over the concession horizon, virtually covering initial investment cost. Just in the first 15 years the subsidy will amount 736 M€, far above the concession dues paid by the electric companies. In short, the infamous argument that dams were a “private investment” is a fraud.

As contas para se chegar aos 3400 M€ são relativamente simples. Primeiro, foram contabilizados 2453MW de potência instalada nas novas centrais. Depois, foi considerado o valor de 20000€/MW, previsto na Portaria n.º 765/2010, de 20 de Agosto. Finalmente, multiplicando por 70 anos (valor médio de 65 e 75 anos) obtém-se o valor de 3434.2 milhões de euros.

A garantia de potência surge no Decreto Lei 264/2007, de 24 de Julho, o qual, no seu artigo 4º, adita o artigo 33º do Decreto Lei 172/2006, de 23 de Agosto. A referida Portaria n.º 765/2010 estabelece pois o regime dos serviços de garantia de potência, especificando os termos e condições da sua prestação, as entidades que podem participar na qualidade de prestadoras desses serviços e o respectivo regime de retribuição.

Particularmente importante neste contexto é saber quem são as entidades que podem participar. Tal é definido no artigo 10º, que define os centros electroprodutores abrangidos.

No nº 1 define-se que estão incluídos os centros "que disponham de uma potência instalada igual ou superior a 50 MW que tenham entrado em funcionamento industrial há menos de 10 anos e que não estejam sujeitos ao regime dos CMEC". Como é evidente, as barragens do PNBEPH não se incluem aqui, pois manifestamente não entraram ainda em funcionamento.

No nº 2 define-se que o "incentivo ao investimento é igualmente aplicável aos aumentos de capacidade instalada com potência reversível resultantes do reforço de potência de centros electroprodutores hídricos, cuja entrada em funcionamento industrial ocorra após a entrada em vigor da presente portaria, ainda que a entrada em funcionamento das instalações originais tenha ocorrido antes do período previsto no número anterior e mesmo que as instalações originais estejam sujeitas ao regime dos CMEC". Este número aplica-se que nem uma luva aos aumentos de potência que a EDP está a levar a cabo em Alqueva II (260MW), Venda Nova III (746MW), Salamonde II (207MW), e Paradela II (318MWh). Os aumentos de potência nas barragens do Douro, Miranda II (194MWh), Picote II (246MWh) e Bemposta II (191MWh), dado não serem reversíveis, não se enquadram. Também aqui, as barragens do PNBEPH não se incluem, pois o conceito de instalações originais nem sequer existe em nenhuma delas.

No nº 3, prevê-se que o Governo possa aplicar o regime de incentivo a novos projectos. Finalmente, no nº 4 do mesmo artigo 10º define-se que "compete ao membro do Governo responsável pela área de energia fixar, em cada caso, o montante, o prazo e a data a partir da qual o titular do centro electroprodutor beneficia do incentivo ao investimento". Tanto quanto se sabe, isso não foi feito para as barragens do PNBEPH.

Nestas circunstâncias, é portanto incorrecto dizer que as barragens do PNBEPH terão um custo de 3400 milhões, embora se possa admitir que no futuro tal possa acontecer, de acordo com o que está previsto no nº 3, do artigo 10º. Tal é revelado também por documento do próprio INAG.

Mas mesmo que assim não fosse, as contas da Geota e companhia continuariam engatadas, porque segundo o nº 3, do artigo 11º, a "remuneração correspondente ao incentivo ao investimento para centros electroprodutores que iniciem o seu funcionamento industrial a partir de 1 de Janeiro de 2011 é atribuída durante 10 anos, contados a partir da data de início do respectivo funcionamento industrial". E no nº 4, do mesmo artigo 11º, fazem-se limites adicionais de 10 anos:

a) Para as instalações industriais que tenham entrado em funcionamento industrial após 1 de Julho de 2007, por um período de 10 anos a partir de 1 de Janeiro de 2011;
b) Para as instalações industriais que tenham entrado em funcionamento industrial em data anterior a 1 de Julho de 2007, a partir de 1 de Janeiro de 2011 e até 1 de Julho de 2017.

O que fica confirmado pela leitura da Portaria n.º 765/2010, é que os actuais aumentos de potência em curso nas barragens da EDP, vão beneficiar da garantia de potência. Contas que a GEOTA não faz, sendo que aliás prefere os aumentos de potência em curso, em detrimento das PNBEPH, como é visível num recente episódio do Biosfera. Os reforços de potência acima referidos totalizam 1531 MW, sendo que estes reforços custarão por ano cerca de 30.6 milhões de euros, quando estiverem em funcionamento, e a manter-se o valor actual de 20000€/MW.

Neste momento, segundo este documento da ERSE, na página 54 verificamos que apenas a barragem do Alqueva recebeu uma garantia de potência em 2011, cabendo o resto à produção termo-eléctrica. A partir de 2012, as contas vão ficar todavia mais complexas, conforme este outro documento da ERSE. O que interessa referir, e isso a GEOTA e as restantes organizações ambientais não o referem, é que as novas barragens, e a garantia de potência, só existem porque há energia eólica a mais e a más horas...